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terça-feira, 24 de julho de 2012

Capítulo nono

"Sentia a cabeça a latejar como se tivesse passado a noite a beber e tivesse sido acordado por uma orquestra de barulhos citadinos. Ainda não dormira desde a conversa com a Alice. A voz dela repetia-se em frases às quais não conseguia dar continuidade. Não tinha como responder às perguntas que ficaram por fazer. Não tinha como calar o que ficou por dizer. Fechava os olhos e no meio de todo o caos de espectros e breu conseguia ver os contornos da face dela. Apesar de tudo não a esquecia. Aliás seria impossível esquecê-la mesmo que quisesse. Sentia um vazio que ela deixara e nada conseguia preencher. Nada nem ninguém. Não era fácil viver com aquela ferida aberta, mas ele iria fazer esse esforço, e não só por ele. Depois da última conversa não seria vantajoso para ninguém que se continuassem a ver. Nem como amigos, nem como conhecidos, nem como simples vizinhos. Seria mais fácil viverem de costas voltadas. Que mais poderiam fazer? Quem lhe garantia que o simples facto de a ver fora dos seus sonhos não acenderia a velha chama, ou abriria ainda mais a recente ferida? Realmente não seria bom para ninguém. Que vantagem traria essa possibilidade de reatarem o que ficou a meio – se é que ficou a meio? Amar será sempre o maior dos desafios para qualquer homem. Ele não era exceção, nem queria ser exceção. Não desistir e continuar a caminhar no meio de toda aquela merda, de todo aquele inferno afogado entre antidepressivos e álcool, tornava-o naquilo que um dia sonhara ser: alguém. Ser alguém no mundo de alguém não é difícil, difícil é aguentar o que isso significa. É viver para lá das dores que essa interação possa causar. É continuar, nem que seja a rastejar. Naquele momento ele sentia-se alguém. Sentia a Alice no andar por cima do seu a contorcer-se por sua causa. Sentia as suas dores no corpo dela e isso proporcionava-lhe uma sensação de felicidade que roçava o sadismo. As dores dela e as dores dele misturadas numa enxaqueca que o atormentava insistentemente. Realmente a melhor solução seria mesmo apagarem-se da vida um do outro. E viverem como chagas na vida um do outro. (...)"


Eu hei-de amar uma puta - Pedro Rodrigues


Em progresso.


PedRodrigues



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