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sábado, 21 de setembro de 2013

Ensaio sobre o medo de não escrever


Todos os momentos singulares me trouxeram até aqui. Aqui estou. Olho para trás e percebo cada segundo vivido, cada escolha feita, cada caminho não percorrido. Penso para mim

-E se...

Relembro os passos em falso. Relembro as consequências de vários erros. Relembro as lágrimas dos insucessos, os nervos dos quase sucessos, o caos dos falhanços à queima roupa. Todos os momentos singulares me trouxeram até aqui. Todos os murros me trouxeram até aqui. Aqui estou. Cerro os dentes, esperneio um pouco, olho o grande plano que me está reservado. Corre-me sangue nas veias. Correm-me sentimentos no papel. Sou um produto inacabado. Sempre serei. Serei sempre. Deixarei para trás um arquipélago de palavras e de noites mal dormidas. Às vezes dou por mim a pensar

-E se tiver perdido a capacidade de criar?

Imagino-me um Hemingway debruçado sobre um mar de textos antigos, de arma na mão à espera de uma intervenção divina: a escrita, ou a morte. E ao imaginar esse cenário compreendo que escrever é o acto de morrer e viver através das palavras. É o acto de exprimir os sentimentos, despertar os corações mais adormecidos. Escrever é dar vida aos que se julgam mortos. É dar voz a quem se julga mudo. É dar a mão a quem se sente sozinho. Escrever é isto. Escrever é estar aqui, com a televisão em silêncio a dar-me luz, enquanto passo a limpo aquilo que sinto. Escrever é estar aqui. Aqui estou. Espero estar sempre. Este é o caminho

-E se não for?

Este é o caminho. Esta é a ordem natural das coisas. Escrever. Escrever palavras. Escrever silêncios. Mesmo quando a mão teima em estar paralisada. Mesmo quando a mente teima em ficar vazia. Mesmo quando a inspiração me manda à merda. Todos os momentos me trouxeram até aqui. E neste momento em que me encaro a mim mesmo, no meu estado mais vulnerável, dizer-me

“Ontem não te vi em Babilónia e hoje gostava muito de te lá ver.”

 

PedRodrigues

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